"Meu texto é simples sincero. É tinta que sai da medula. Eu chuto as palavras pra fora e elas que vem me buscar num jogo de bola e gandula" - Gabriel O Pensador
8 de dezembro de 2013
Era uma casa muito engraçada...
-Foi exatamente por isso que eu chamei o senhor: preciso de uma avaliação detalhada sua sobre a situação da casa, pois pretendo alugá-la novamente para outro cliente que já tem contrato fechado, num futuro próximo.
-Bom, eu sou meramente um engenheiro, e apenas posso indicar o que foi danificado e o que necessita de reparo, mas é evidente que o atual locatário usou-a de todas as formas possíveis e imagináveis.
-Sim, esse cliente foi bem diferente dos demais, ainda que tenha alugado-a pelo mesmo período de 12 meses que os outros. Se não me engano foi um tal de... Doimil Etreze, algo assim... Deve ser parente do próximo, um senhor chamado... Deixe-me ver... Chamado Doismil Equatorze.
-Já ouvi falar desse primeiro... Aliás, é uma pessoa bem peculiar, pois em algumas casas pelo qual ele passou não foi necessário nenhuma reforma, pois estavam intactas, enquanto outras quase vieram abaixo, como a sua. Houve muitas que não aguentaram e ruíram.
-Exatamente, é alguém bem estranho, contudo trouxe, em ocasiões que passei por aqui, alguns convidados, sendo alguns já velhos conhecidos, outros que nunca tinham sido vistos ou não eram vistos há tempos, mas que se mostraram muito receptivos e acolhedores, ajudando, muitas vezes, a manter o funcionamento da casa, e ouvi até que muitos passaram um tempo por aqui e depois praticamente sumiram, aparecendo vez ou outra... Enfim, vamos dar uma olhada.
-Claro, claro. Bom, notavelmente "a festa foi boa por aqui" né? Fizeram uso dela de forma considerável. É até surpreendente que permaneça de pé. Felizmente se manteve.
-Olha, se ela ainda está assim, muito se deve a uma raposa de "estimação" que constantemente aparece por aqui. Ela deve morar na floresta aqui perto, e parece até um pouco frágil à primeira vista, por ser menor que as demais, mas não se engane facilmente. Algumas vezes cheguei a vê-la acanhada, ferida ou necessitando de alimento ou ajuda, mas sei que ela seria capaz de defender com todas as garras essa casa. Acho que se tornou um abrigo pra ela.
-Ainda assim, muito terá de ser feito. A casa está muito desgastada, e um dos pilares já esta quase que completamente destruído.
-Pior de tudo é que era um dos mais fortes e antigos da casa. Para terem deixado-o de tal forma, deve ter ocorrido algo bem grave por aqui. Mas acho que é melhor retirar por completo e deixar sem nada mesmo. Parece que não é necessário por enquanto.
-Disso eu não sei, mas tenho que concordar com o senhor: era necessário algo pesado para quebrá-lo.
Ainda assim, alguns ainda mostram-se quase inalterados, e, não sei como, mas vejo que um alicerce manteve-se firme, e outro até que foi reforçado!
-Sim... Aquele reforçado foi acrescido uma força inacreditável, eu não faço ideia de como fizeram isso, mas parece que a pessoa que passou por aqui tinha por objetivo deixá-lo mais forte. Já aquele outro permaneceu intocado, e acho que dali não sai de forma alguma.
-Eu só espero que o próximo morador mantenha esse pilar intacto do jeito que está, pois ele é um dos essenciais para a casa. E acho que ela não resistiria a uma mudança drástica novamente. Já houve aquele outro que caiu. De qualquer forma, precisaremos reforçar todos os alicerces com um material mais resistente que esse, pois o Doismil Equatorze parece ser uma pessoa um pouco brutal.
-Bom, então assim que o atual locatário mudar-se, poderemos iniciar a reforma, e terei de deixar tudo preparado para o próximo, pois cada novo cliente têm suas exigências e surpresas.
-O jeito vai ser esperar pra ver o que estará reservado para a casa. De qualquer forma acho que já vi o bastante, mandarei um
laudo para o senhor dentro de uma semana.
27 de agosto de 2013
Rosas
12 de agosto de 2013
Imutável
Essa noite me surpreendeu
Eu comigo mesmo peguei-me pensando em um passado deixado ao relento
E notei que esses pensamentos fizeram-me rir
Fizeram-me chorar
Conseguiram até uma taquicardia causada por ideias infundadas
Mas todos com um motivo só: lembranças.
Lembranças de causas perdidas, de decisões tomadas e de arrependimentos.
Lembro claramente que meu mundo mudou
Sei que até hoje não me recuperei
Só por causa desse passado que tanto me mudou
Tanto me transformou
Todos os momentos me levaram a ser hoje quem sou:
Esse ser solitário jogado as traças que ainda não aprendeu a viver como era antes, sozinho.
Esperanças são inúteis para serem agarradas
Eu sei o que perdi e não terei novamente
E esse fato deve ser adotado como um dogma
Imutável.
Imutável?
16 de julho de 2013
Príncipe
Não existe príncipe encantado. Aquela ilusão que seus parentes criaram para você funcionava apenas durante a sua infância, para poder te ensinar os bons valores que um homem deveria ter.
E eu não digo que não existe príncipe encantado pelo fato de não haver homens com bons valores. Eles existem, sim, mas são muito pouco valorizados. Digo os verdadeiros. Porque há muitos por ai que tem uma pose de Príncipe mas muitas vezes pode se tornar o Vilão, só por estar com uma máscara. E o verdadeiro homem que sempre te daria seu real valor, você desprezou e disse que não era isso que queria, por ele não ter a mesma pose da sua utopia.
Portanto, abra o olho pra onde você procura seu príncipe encantado, porque num baile de máscaras qualquer um pode parecer um personagem diferente.
31 de maio de 2013
Prisão Condicionada
Mas, assim como uma Fênix, eu também sou capaz de renascer das cinzas, de começar tudo novamente, e mesmo percebendo que o que ficou para trás é irrecuperável, sou capaz de perceber que nada disso voltará até o dia que o homem inventar uma máquina do tempo. Até lá, não ficarei mais me lastimando pelo que perdi.
Notei que se perdi algo, sou capaz de encontrar outra coisa nova, algo melhor, talvez até maior, não necessariamente de tamanho, mas que seja capaz de me mudar, de me transformar novamente em alguém que já fui, e que sei que sou capaz de ser. Eu apenas voltei para um casulo, no qual me situo recluso e solitário, contudo, o lado de fora bate à minha porta, e uma olhadela nunca fez mal a ninguém.
O que eu vejo?
Não sei. Formas estranhas, nas quais não posso distingui-las corretamente. Algumas me assustam, outras me atraem. Porém uma dessas formas é distinta. É bela, diferente. Já havia visto-a anteriormente, porém, essa minha reclusão mostrou que há sempre diversos ângulos sobre um mesmo foco. E o que vejo nessa forma é um ser diferente do que conhecia, que é capaz de transmitir algum carinho e esbanjar explicitamente muita simpatia.
Pra quem é essa simpatia? Sou só eu que vejo-a dessa forma? Será que estou vendo mais do que na verdade há, por querer que de fato exista isso que acho que vejo? Confuso até para escrever isso, quanto mais para tentar traduzir em palavras.
Ao certo, não sei...
Essa forma tem um jeito misterioso de agir, onde um passo em falso pode me levar a uma armadilha e me prender de vez aqui onde ainda estou. Contudo, um movimento certo também pode facilitar todos os empecilhos que poderão aparecer.
Muitos me dizem para arriscar, tentar sair do casulo. Os perigos são vários, os caminhos poderão ser os mesmo que já trilhei muitas vezes, nas quais em maioria errei e foi necessário uma reconstrução.
Porém sei que também que há um caminho, mesmo que árduo, que também já trilhei. Aquele, que me afastei, e me fez entrar nesse estado de aprisionamento Que impediu de ouvir certas músicas. Aquelas músicas....
Quem sabe esse novo ser, essa forma, não me mostra um caminho novo que me levará ao meu destino que anteriormente estava seguro em minhas mãos, e que esvaeceu na frente de meus olhos, de uma forma mais simples, mais intensa, e direta, sem tantas pedras. Por que não?
30 de maio de 2013
Nota Mental #2
Todos os contos e textos que eu publiquei no Reflect About! em forma de conto ou algo fora do padrão que eu seguia por lá finalmente foram postados aqui com o marcador #Repostagem. Para quem quiser, só ir seguindo abaixo e nas outras páginas as próximas postagens =).
Até sabe-se lá quando...
Repostagem: Quanto tempo o tempo tem?
Repostagem: Vida Eterna
Repostagem: Bens Incalculáveis
Pela receptividade que tive com esse gênero textual, e por ter percebido que muitos leitores gostaram de histórias narrativas, estou me arriscando novamente a tentar dessa forma.
Esse texto eu me inspirei na leitura do livro "O Vendedor de Sonhos e a Revolução dos Anônimos", do autor Augusto Cury, que, aliás, é citado no conto abaixo e eu já indiquei em uma das sessões "Hey Ho, Let's Go".
Se eu ver que está dando certo, planejo um projeto futuro...
Eu me considero a mendiga mais rica do mundo. Bom, eu não sou bem uma mendiga, uma pessoa que não tem nada nem ninguém no mundo, nenhum bem material ou qualquer coisa do tipo. Eu talvez seja mais uma andarilha do que uma mendiga. Mas isso não importa.
Eu tive tudo que uma mulher pode desejar e sonhar: uma mansão quitada, sem contar outros imóveis que meu marido me dava. Joias. Carros importados. Cartão de crédito ilimitado para gastar fortunas em shoppings. Viagens para Europa e afins todos os anos.
Nunca precisei estudar, pois sempre minha mãe me dizia que valia mais a pena encontrar um marido que me sustentasse. Ouvindo-a, me casei aos 19 anos com um empresário de 40.
Tornei-me uma princesa, depois em uma rainha, mas acabei como plebeia.
Sempre soube que meu casamento era uma fachada, mas não me importava. Eu dava para meu marido o que ele queria, e ele me dava o que eu queria. Por um tempo nos contentávamos com essa mentira diária. Pelo menos eu. Depois de 16 anos de casada, descubro que meu marido estava tendo um caso com outra mulher de 25 anos. Fiquei abalada, e, mesmo que eu não realmente o amasse como meu "amor da minha vida", com o tempo, aprendi a gostar dele e sentir uma pontada de felicidade por estar ao lado dele. Por isso, fui conversar com ele, tentar nos acertar e fazer com que continuemos juntos.
Ele me xingou de todos os nomes possíveis e imagináveis. Taxou-me de mercenária e disse que eu tentava fazer com que ficássemos juntos por causa do dinheiro dele. Com isso, fui enxotada de casa, sem destino certo e com apenas a roupa do corpo. Minha mãe já estava morta há alguns anos, e meus outros parentes moravam do outro lado da cidade. Ainda que tivesse algum dinheiro, não sentia vontade de ficar com ninguém. A dor da humilhação me destruiu, e me trouxe ao destino que tenho hoje.
Perdi meus amigos, me afastei de minha família, e os únicos companheiros que tinha eram os livros e jornais que encontrava pelas ruas e bibliotecas, quando me deixavam entrar. Tornei-me uma pessoa sedenta, sedenta de livros, cultura e informação. Dentre essa minha incessante sede, e em minha tentativa constante de saciá-la, notei um encontro de famílias no parque do Ibirapuera. Pelo que percebi de longe, era aniversário de um dos garotos, um adolescente de não mais que 15 anos.
Estavam todos o rodeando, e cada um dos familiares se levantava, lhe entregava o presente e falava alguma mensagem ou algo do tipo. A expressão de infelicidade e tédio ao receber alguns presentes me surpreendia. Ao receber roupas, o garoto agradecia e simplesmente jogava para o lado em cima da pilha de presentes. E entre os convidados, um amigo dele de óculos com idade quase igual lhe deu um saco de presente retangular. Já imaginava o que seria para a idade deles: um jogo de videogame.
Mas o presente me surpreendeu, e a reação do aniversariante mais ainda.
Ao abri-lo, a expressão de raiva no garoto se tornou clara. Ele havia ganhado um livro,e por isso começou a gritar e humilhar publicamente o amigo, falando que sequer deveria ter convidado ele e que ele era um estúpido por dar um presente idiota desses. Com isso, foi na direção de um lixo próximo que havia por lá, e o jogou com o maior desprezo.
Apenas fiquei observando essa cena, e depois que todos os parentes e amigos se retiraram do local, inclusive o aniversariante, peguei o livro, e, devo confessar, foi um dos melhores livros que li, principalmente por ter um trecho dele que me marcou, e me lembro (e guardo) até hoje:
"O dinheiro compra ansiolíticos, mas não a capacidade de relaxar. Compra bajuladores, mas não os ombros de um amigo. Compra joias, mas não o amor de uma mulher. Compra um quadro de pintura, mas não a capacidade de contemplar. Compra seguros, mas não a habilidade de proteger a emoção. Compra informações, mas não o autoconhecimento. Compra lentes de contato, mas não a capacidade de ver sentimentos não expressos. O dinheiro compra um manual de regras para educar quem amamos, mas não compra um manual de vida"
Isso resume minha vida. Eu sempre tive tudo, mas só depois que perdi tudo, percebi o quão eu era vazia.
Quando me interiorizei para me tornar alguém culta, foi que aprendi o que realmente tem valor na vida, e que todos esses bens não podem ser comprados por dinheiro algum nesse mundo. Apenas podem ser adquiridos com experiência e tempo de vida.
3 de maio de 2013
Norte, Sul, Leste ou Oeste?
"Cuide de quem corre do seu lado e quem te quer bem".
"...Eu fui ao fundo do poço pra ver que o poço tem fim
Eu fui ao fundo do poço e foi do fundo que eu vim
E vi que o poço no fundo nem é tão fundo assim..."
Os momentos de queda são sempre reflexivos. São as oportunidades para percebemos que o chão que sustentava nossa pirâmide não era tão forte assim, tinha rasgos, infiltrações, ou era totalmente falho.
Pode ser, até, que era perfeito, mas foi retirado bruscamente.
E essa perda do chão desnorteia, é capaz de iludir a pessoa que sofre, e teoriza uma vida utópica, onde não haverá futuro, o dia de amanhã não importa e nunca virá, e pior!, mesmo que venha, não irá ajudar em nada. Nada irá mudar. Nada. Nada.
Contudo, uma bússola que não aponta para o norte não é de toda ruim. Talvez a direção pra qual ela aponta pode não ser a mesma a ser seguida por todos, mas onde está escrito que é o caminho errado?
Mesmo que seja, sempre é possível regulá-la se estiver quebrada. Voltar para o rumo não é tão difícil, e notar que o desvio não é tão grande faz parte do retrocesso para a rota certa.
A utopia se desmantela pedaço por pedaço, até chegar a um ponto que se torna explicitamente uma falsa verdade, a ser largada a qualquer instante, pois a insistência de um erro não levará a lugar algum.
Por fim, é possível enxergar que sempre haverá um sol a nascer novamente após uma noite escura, e, com ele, novos caminhos e metas aparecerão de acordo com a claridade a surgir, com planos a serem seguidos, sejam eles inesperados ou traçados meticulosamente por um Ser maior, que reserva para o dia que ainda não chegou um algo, ou um alguém, que irá trazer auxílio, como uma bússola que mostre onde fica o Norte, ou um óculos que ajude a focar uma visão embaçada, de algo que está bem a sua frente! Você só não consegue ver por achar que tudo está perdido. Por achar que está perdido.
Contudo, a única certeza que é possível afirmar piamente é que essa bússola irá aparecer para mim, a qualquer momento, talvez no momento menos esperado, apenas esperando me surpreender.
Minha única esperança é que a bússola encontrada norteie-me novamente.
9 de fevereiro de 2013
Como vai o seu coração?
Pedi licença, perguntando se poderia me sentar no lugar vago, e recebi um seco "tanto faz" (seco até de mais para alguém tão cheia de lágrimas). Falei-lhe que era psicanalista e adorava ouvir as pessoas, e estava disposto a ouvi-la enquanto esperava meu cappuccino ficar pronto (algo que deveria levar algum tempo, considerando a demorada fila que enfrentei ao entrar no estabelecimento). Após certo receio da jovem, a sua insegurança falou mais alto, e acabou desabafando uma torrente de temores em relação ao seu namorado. Coisas que poderiam soar como besteiras para muitas pessoas alheias, porém notei que aquilo afligia seu coração (usando uma expressão corriqueira). Aconselhei-a a buscar confiança na pessoa que amava, se fosse digna para tal. Se a mesma fosse, ela conseguiria perceber que seus temores eram infundados quanto ao que o garoto sentia por ela.
Alguns minutos mais tarde, notando que deveria começar a caminhada de volta para o consultório, me despedi da moça, que já exibia um simpático e tímido sorriso quando despediu-se agradecendo-me por ouvi-la.
Com esse pequeno ato ocorrido nessa cafeteria, pude perceber que muitos corações se viam... Digamos... incompletos. Alguns, dilacerados. Outros doentes.
Mas dificilmente satisfeitos.
Resolvi então tirar o dia para uma pesquisa de campo, com uma prancheta cheia de folhas de um bloco de notas e uma caneta em mãos (no qual descrevo essa experiência agora). Intitulei o cabeçalho de "Como vai o seu coração?", com o intuito de fazer tal questionamento para aqueles que estivessem dispostos a responder a pergunta.
Apenas andando alguns metros, reparei em um grupo de jovens sobre o Masp, aparentemente em um ponto de encontro. Isolado do grupo, havia um adolescente, de uns 15 ou 16 anos. Tive a certeza de que ele era pertencente ao grupo, pois todos que chegavam o cumprimentavam, contudo, por mera formalidade. As expressões dos que chegavam e viam que o fulano estava presente demonstrava total descontentamento.
Como um dos trocentos pesquisadores presentes na Paulista, aproximei do garoto, pedindo para responder uma única e rápida pergunta.
Aparentemente entediado, aceitou, sem ânimo ou disposição alguma para tirar a mão que tapava parte de sua boca, com os cotovelos que estavam apoiados em seu joelho.
-Como vai o seu coração?
Pego de supetão, a resposta obtida foi basicamente o esperado para um adolescente nos tempos de hoje:
-Oxi, eu lá tenho cara de coroa tio? Meu coração vai muito bem, eu sou jovem ainda.
Pretendendo obter uma resposta mais objetivada por outro âmbito, refiz minha pergunta:
-Você se engana meu caro. Um problema cardíaco pode muito bem acontecer com qualquer pessoa, mesmo tendo maior incidência em pessoas de idade mais avançada. De qualquer forma, minha pergunta não foi essa. Minha pergunta foi: "Como vai o seu coração?".
Uma expressão de dúvida (maior do que a primeira vez) ficou exposta na sua face por alguns segundos até que ele pensasse em uma réplica:
-Velho, eu não to entendendo onde você quer chegar...
-Eu notei que você está com aquele grupo, pois alguns te cumprimentam, mas você não ESTÁ de fato com o grupo...
-Até um coroa percebe isso...
Gabriel, como ele resolveu se apresentar, ficou um pouco tenso, enquanto mexia sem sentido em seu cabelo rebelde até conseguir expressar tudo o que estava guardado dentro de si:
-Tá vendo aquele "muleque" de camiseta da Hollister? Ele é meu irmão mais velho. Alguns meses atrás meus pais sofreram um acidente de carro, e como ele é maior de idade, a minha guarda passou para ele até que eu atinja a maioridade. Desde então, minha vida se tornou um inferno.
Todo o carinho e apoio que eu recebia de minha família simplesmente se esvaiu. Depois da morte dos meus pais, Pedro se transformou em outra pessoa. Alguém frio. Seco.
Não é mais o meu irmão...
-Você já tentou conversar com ele?
-Já, mas ele sempre me ignora. E eu sou obrigado a atender a todas as ordens dele. Tanto que várias vezes eu sou arrastado pros "rolês" dele, com os amigos dele, e não posso nem sair com os meus amigos, e nem ficar em casa sozinho. Ele me trata como uma criança!
-E não consegue pensar em um motivo para isso?
Notando o silêncio, e a ausência de resposta, resolvi dar continuidade ao meu pensamento:
-Ambos sofreram uma perda irreparável, e seu irmão já possuía maior tempo de convívio com seus pais, portanto o afeto por eles era provavelmente ainda maior.
Com o buraco deixado por eles, talvez ele tenha reprimido todos os sentimentos que estão se passando dentro do consciente dele e tenha se tornado mais rígido para adotar uma atitude paterna para poder tomar conta de você como um pai faria.
Levantei-me e agradeci por ele ter respondido à minha pesquisa. Surpreso, ele perguntou por que já estava indo. Dei uma resposta curta:
-Meu trabalho acabou. Refaça para ele a mesma pergunta que eu lhe fiz.
Segui caminhando pela avenida, em direção ao Metrô Brigadeiro. Chegando próximo ao Shopping Paulista, reparei em um médico, fumando do lado de fora do Hospital Santa Catarina. Mais uma fonte de pesquisa.
-Como vai o seu coração?
Incrédulo por um meliante qualquer na rua ter-lhe feito essa pergunta, o doutor sequer deu bola para responder a pergunta. Apagou o cigarro e voltava para o hospital.
Insatisfeito, chamei-o novamente, e pedi para que respondesse a pergunta. Contudo, o que recebi não foi bem o que esperava:
-Você sabe com quem está falando? Eu sou um dos maiores cirurgiões cardíacos do país, há tempo suficiente profissional da Medicina para saber o que você tem ou deixa de ter no coração, e já tratei de centenas, não, milhares de casos especificamente relacionados a problemas cardíacos. Você acha que eu não sei como vai o meu coração? Eu tenho uma saúde de touro. Todos os dias eu pratico atividade física e mantenho uma dieta rica em diversas fibras, proteínas e vitaminas.
Então, faça-me a gentileza de ir fazer essa "pesquisa" com alguém mais desocupado. Boa tarde!
Achei melhor não insistir. A única coisa que iria extrair dele é uma "resposta física".
Cansado desse expediente diferente do usual que resolvi adotar hoje, fui indo em direção ao Metrô Paraíso, para não ter que fazer baldeação nem nada. Sem contar que não devia estar nem há 1 km de distância, e uma caminhada de fim de tarde é sempre boa para aliviar a mente de todo o estresse.
Morando em São Paulo, eu já estava habituado a sempre pegar o metrô lotado por volta das 18h, ainda mais que ele fazia integração com a linha Azul. Entretanto, a caminhada que havia feito e as tentativas de entrevistar as pessoas na Paulista deixaram-me exausto, somado ao calor insuportável que estava dentro do vagão. Notei que não estava tão bem lá dentro e resolvi pular fora na próxima estação. Desci na estação Alto do Ipiranga que normalmente é vazia. Já em horário de pico ela é... Vazia. Ainda não vi muito sentido na localização daquela estação.
De qualquer forma, sentei pra respirar um ar, ao lado de uma senhora. Ela devia ter por volta de 40 anos, com algumas rugas. Apenas, por educação, dei boa noite e fechei meus olhos alguns segundos para descansar, até o próximo trem chegar. Quando abri novamente, a senhora estava chorando copiosamente.
Um silêncio monumental e constrangedor tomou conta da situação. Até ela resolver falar:
-Minha vida está um fiasco! Meu marido não me ama mais, meu filho é viciado em crack e eu não tenho uma pessoa sequer para poder desabafar ou para pedir algum auxílio. Eu já não sei mais o que fazer! Todas as janelas, portas e frestas estão se fechando pra mim. Cada dia que passa uma coisa pior passa. Já me falaram que isso é apenas uma fase ruim, mas todos estavam errados. Isso não é fase. Isso é a vida! Minha vida sempre foi horrível, desde que eu era criança.
Meu trem estava se aproximando, e a senhora percebeu que eu queria partir. Porém, antes de embarcar novamente, fiz uma pergunta que tentei buscar a tarde toda:
-Você já cuidou do seu coração? Assim que seu coração estiver curado de todas as mágoas, rancores e tristezas, e cheio de perdão, sem arrependimento, e a chance de começar tudo de novo, você poderá viver bem. Pode ser que sua vida não melhore, contudo, já é um primeiro passo que você pode dar.
Entreguei à ela um cartão do meu consultório que sempre tenho no bolso, e entrei em direção à Vila Prudente.
Agora já em casa, termino esse experimento com uma conclusão:
Todos os seres humanos (obviamente) tem um coração. Alguns não são "originais" de fábrica, outros já estão bem usados, e muitos ainda estão começando a funcionar. Contudo, nós temos o hábito de expressar nossos sentimentos com o coração, mesmo sendo ele um órgão que tem por função bombear o sangue pelo corpo. Talvez pelo fato de termos a relação entre amor e coração. Não sei ao certo.
Contudo, muitos corações hoje são doentes: cheios de ódio, raiva, arrependimento, mágoa e sentimentos ruins.
Nenhuma vida pode trilhar por caminhos certos todas as vezes, mas com um coração "reformado" sempre fica mais fácil.
Faça uma revisão no seu coração, e veja que muitas coisas podem mudar.