30 de maio de 2013

Repostagem: Vida Eterna

Acreditem ou não, e, mesmo que achem clichê, estou contando minha história.
Perdido no deserto eu estava, sem esperanças de sobreviver. Penso já ter percorrido tal lugar, mas não posso dizer com precisão, pois aqui é tudo igual: quente, laranja e cheio de areia. Só tenho uma certeza: não passarei dessa. Uma luz começa a ofuscar meus olhos, e, quando me dou conta, estou caído na areia, à beira da morte.
Falar sobre a morte é algo engraçado, pois ninguém nunca conseguiu, afinal, relatar como de fato é o ato de morrer. No meu caso, não sei se foi um sonho, um chamado divino ou apenas alucinação. Mas me lembro claramente do que vi. Quando voltei a abrir os olhos, eu estava me vendo. Mas não era exatamente eu. Era meu eu mais jovem, criança. Aparentemente, ele não podia me ver. Mas eu o via. Ele estava feliz, não sei por que motivo. Suas costas não me deixavam ver o que estava em suas mãos. Seria um videogame? Um celular com um aplicativo novo? Estaria ele falando pelo Skype com algum amigo?
Após algum tempo, pude notar que não era nada disso que estava em suas mãos. Era uma bola. Lembrei-me de quando foi isso. Era verão de 1985. Neste dia, eu ganhei minha primeira bola de futebol. Nossa... Como eu era feliz. Com um brinquedo tão bobo.
Nessa época eu ainda não tinha me divorciado... Sequer sabia eu o que era amar alguém além de meus pais; não tinha contas a pagar; não tinha problemas para me preocupar; não tinha que aceitar fugir do país, por ser minha única opção... MEU DEUS, OLHA AONDE EU VIM PARAR!
Tudo poderia ser diferente... AINDA PODE! Se eu sair dessa, eu começarei uma vida nova. 
Pena que já estou velho... Queria poder começar essa vida nova, mas que ela fosse eterna. Ah, quem me dera.
Desmaiei.
Quando acordo, o sol já havia desaparecido. O frio tomava conta de meu tato, me congelando até a espinha. Levanto-me e vejo uma sombra, um vulto. Uma pessoa! Seu rosto está oculto por uma capa preta toda rasgada e em mal estado. Aproximo-me, com cautela. 
-ME AJUDE! SOCORRO!
Sigo correndo em sua direção, e, mesmo que eu não veja, sei que ela está olhando diretamente em meus olhos. Sinto um toque de frieza.
-Eu sei o que quer, e sei o que sonhou. Eu posso lhe salvar, e ainda lhe conceder o que mais deseja: a vida eterna. Você apenas terá que ter a certeza de que é isso que quer. Você se compromete a manter-se vivo, sem sofrer nenhum acidente ou lesão, para toda a eternidade?
-SIM, SIM. APENAS ME TIRE DAQUI, PELO AMOR DE DEUS.
Senti um tipo de arrepio nele após ter dito isso.
-NÃO DIGA ESSE NOME. Tudo bem. Quando se enjoar desse pedido estúpido, apenas me chame.
-Ha Ha Ha, por que eu iria querer isso? Eu serei eterno. Mas, qual é seu nome?
-Pode me chamar de M. Grite e implore para o fim disso, e eu aparecerei.
-Puf... Eu nunca farei isso.
Uma nuvem de fumaça cegou meus olhos, e o tal M sumiu. Quando pude enxergar novamente, estava em São Paulo novamente, na Avenida Paulista, sobre o Masp. Consegui pegar o último ônibus para minha casa.
Os dias que se seguiram foram estranhamente bons, comparado à quando tive que fugir. Meus credores anunciaram que não correriam mais atrás, e nem colocariam seus "funcionários" para me procurar. Minha dívida tinha sido saldada. Não questionei por quem. Viria a pensar, futuramente, que foi uma atitude impensada. 
Mas na época, nada mais me importou. Inexplicavelmente, o trato do tal "M" havia funcionado, e muito bem. Os anos se passaram. Vi meus filhos crescerem, se formarem. Vi de tudo. Vi também coisas ruins. Aconteceu a 3ª Guerra Mundial, a colisão daquele asteroide com os EUA (isso porque eles possuíam a NASA, mas nada adiantou: ela não ficou do tamanho de uma bola de basquete quando passou pela atmosfera). E, mesmo assim não envelheci. 
Todos que conheci morreram. Apenas eu fiquei aqui. Sozinho. Os efeitos do ataque químico continuavam fortemente. A cada dia que passava, o número de pessoas plenamente vivas diminuía, e a de "semi-vivas" aumentava. Sabia que elas não me atacariam, foi o que o "M" disse. Depois algumas décadas, eu ainda possuía a aparência de um homem de 40 anos saudável, mas era o único. Único na cidade. Único no país. Único no mundo. Tanto em terra, quanto no ar ou mar.
Com o tempo, aprendi a conviver com essa solidão. Comecei a ler. Os livros se tornaram meus amigos e mestres. Li tudo que era possível. Livros médicos, bíblias, contos literários e poemas. Tornei-me um homem sábio. Mas não ter com quem dividir essa sabedoria era frustrante. Passei a falar com objetos e animais. Fiquei lendo para os bonecos. Arrisquei-me até a falar com um dos humanos "meio-vivos" que perambulava pelas ruas. 
Nada.
Surtei. Saí correndo pelas ruas, abandonei até meu cavalo para trás. Subi a Augusta, e fui parar na Paulista. Subi no prédio mais alto que encontrei e gritei. Berrei à plenos pulmões. Ainda assim ninguém me ouviu. Recorri à última esperança: pular. Fui para a beirada, abri os braços e fechei os olhos. Em alguns instantes, sentiria o solo sobre o meu corpo, e logo morreria. Apenas mais alguns segundos. Logo. Será que já morri?
Quando volto a abri-los, percebo que estou deitado de cara no chão, mas não tinha sofrido nenhum arranhão. Fico sentado e sinto raiva, ódio. Nunca imaginei que diria ou sentiria isso, mas senti ódio da vida, de viver.
-AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH. CADÊ VOCÊ M? VENHA ME LEVAR! EU NÃO AGUENTO MAIS ISSO! EU NÃO POSSO MORRER, MAS NÃO QUERO MAIS VIVER. ME LEVE!
Aquela mesma nuvem de fumaça voltou a aparecer. Após tanto tempo. E ele estava lá, alguns metros de distância apenas, usando a mesma capa preta surrada.
-M! Por favor, me leve para a morte. Eu não quero viver. Não adianta viver sem aqueles que amo. Sequer vale a pena viver sem ter outro ser humano para conversar. ME LEVE PARA A MORTE!
-Meu caro, isso eu não o farei. Pois você já falou com ela. Ou melhor, ele.
Estupefato, comecei a balbuciar e a tremer.
-Sim, sou eu. Eu o escolhi para viver nesse universo sozinho. Mas, ingenuamente, sua escolha foi pouco sábia, pois você apenas fez parte de um de meus jogos. Você foi o primeiro que me pediu isso, mas não foi o único a brincar comigo. Houve outros. Pediram coisas inusitadas ou comuns. Porém só você me pediu a vida eterna. Você terá apenas mais um dia. Escreva sua experiência. Todas as pessoas que estão semi-vivas retornarão ao seu estado normal, e você poderá contar o que a você lhe aconteceu. Ao final do dia, quando deitar na cama, não acordará mais, e se juntará a mim, de braços abertos.
Vim para casa quieto, pensativo. Sentei-me em frente ao notebook (eu ainda tenho um guardado, mesmo após a Revolução Robótica) e abri o obsoleto Word. E escrevi. Estou agora, 23h32min do dia 30 de junho de 2784, de uma forma patética, sozinho. E, você, que estiver lendo essa carta, saiba que a vida eterna pode ser ilusoriamente boa, mas não compensa. Não adianta viver sem qualquer contato humano.
Estou indo deitar, para não acordar mais.
Será que ainda me lembro daquele pequeno jovem sonhador e feliz que fui? 
Espero sonhar com ele antes de partir, ele me lembra paz e esperança...




Texto inicialmente escrito no Reflect About!

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