22 de dezembro de 2012

FIM

Apenas um aviso para quem, se é que alguém chegará a ler isso, ler: Este é um relato do ocorrido no dia do "fim do mundo" baseado em experiência própria e nos boatos e poucas informações causada por diversos fatores.

Eu nunca acreditei. Besteira. Pra quê perder meu tempo com esse tipo de baboseira? Apenas idiotices como já tinha ocorrido em 2000 na virada do século e um monte de bocós tinham acreditado e até se matado.
Era exatamente dessa forma que eu pensava até o dia 21 de dezembro de 2012 chegar de fato e tudo acontecer. E como todos (ou pelo menos a maior parte) também achavam até o fim de fato chegar.
Como último ato em vida sendo praticamente um andarilho, sozinho e sem família viva nesse mundo, resolvi escrever esse relato do que aconteceu no dia de hoje, que acabou por dizimar, acredito, a maior parte da população mundial, sem contar todos os ecossistemas, animais e plantas mortas. As informações são realmente escassas, e os problemas surgiram (e continuam aumentando) consecutivamente em velocidade exponencial que sequer tivemos tempo de nos preparar. De qualquer forma, decidi parar antes de me encontrar com minha inevitável morte para deixar escrito, para, quem sabe, alguém futuramente sair vivo e tentar entender tudo.
Sem contar que, vivendo em São Paulo, sei que os recursos já por vezes eram poucos pra algumas pessoas nas "condições normais" de sobrevivência. Com um apocalipse, as ruas eram tidas como zonas de uma guerra que não precisava ser declarada, e um pequeno nerd, magrelo e sem muita força não teria muitas chances lutando por comida.
Por mais cético que eu fosse quanto a isso, eu devo admitir: sempre achei os maias uma raça MUITO inteligente, e algumas coincidências do calendário feito por eles com fatos ocorridos nos nossos são um pouco... Assustadores. Como a previsão do eclipse no dia 11/8/1999. Mas nunca pensava que, só pelo fato do calendário DELES ter terminado, e denominarem como uma "Nova Era", que o mundo iria acabar.
Nunca pensava, no passado.

Bizarramente, os fatos que levaram ao fim do mundo começaram no dia 21 mesmo, "planejado" até com o fuso horário. Enquanto por aqui ainda era por volta de 16h da tarde do dia 20, no Japão já era dia 21, por volta de 3h da madrugada.
E o que todos os engenheiros espaciais (principalmente a NASA) não previram e desmentiram, aconteceu: uma explosão solar.
Antes de qualquer coisa, não, não foi uma explosão tipo "Olha o sol tá explodindo vamos todos pegar fogo e queimar como formiguinhas embaixo de uma lupa". Não. Mas dentre as explosões que normalmente aconteciam, era sabido que esse ano seria o pico dos maiores níveis de atividade solar, que ocorre a cada 11 anos. Até aí tudo bem. Contudo, uma grande explosão a dimensões jamais vistas ocorreu, e desligou praticamente todos os satélites e sistemas de telecomunicações. Com isso, já era quase impossível se comunicar ou ter notícias sobre o que estava acontecendo, sem telefones, celulares, redes sociais, televisões ou rádios. Tudo completamente desligado e chiado.
Com isso, os boatos já começaram a ganhar força, porém o pânico ainda não tinha sido instaurado.

Não até Estados Unidos praticamente sumir do mapa. A segunda maior potência econômica mundial simplesmente se tornou uma bola negra de fumaça, destruição e lava. MUITA lava.
Mesmo não morando lá e conseguindo poucas notícias, tenho certeza que culparam alguém no Oriente Médio por isso julgando como um ataque. Contudo, não houve tempo para retaliações. Por muito, há algum sobrevivente.
O fato é: Exatamente às 2h em horário local, com um pouco de comida estocada comprada por precaução durante a tarde do dia anterior, passei a noite em claro tentando ouvir qualquer coisa no rádio ou na tv, zapeando em busca de informações. Nisso, consegui um relance da TV Globo, que transmitia o Plantão continuamente aparentemente, dando a informação na voz de William Bonner que o supervulcão de Yellowstone havia entrado em erupção. Sabia o que isso significava, e todos que conseguiram assistir também.
Entretanto, a iminência do fim só veio mais tarde.
Por não pregar os olhos, acabei dormindo sentado na mesa da cozinha ao lado do rádio. Acabei sendo acordado por um grito vindo dele no meio da tarde, não sei se era uma locutora ou alguém na estação, mas era um grito feminino de desespero, misturado com um choro angustiado. Nos poucos segundos sem chiado, ouvi as exatas palavras: "Nibiru não era falso. Temos 3 horas..." e novamente o já costumeiro chiado.

Tive a audácia de olhar pra rua, e a cena que vi não foi confortante: Pessoas correndo desesperadas em busca de abrigo, vizinhos e melhores amigos apontando armas para ver quem ficava com um veículo funcionando e corpos. Havia CENTENAS de corpos nas ruas. Meus olhos me permitiam ver uma realidade pior que o Holocausto, do outro lado da rua. Cheguei a trancar a porta, mesmo sabendo que provavelmente seria inútil.
Refleti por exatos 43 minutos minha fútil vida. Minhas poucas conquistas e como tudo que eu fiz desencadearam, direta ou indiretamente, nessa solidão em que me situava até então. Até nos últimos minutos passarei desacompanhado.
Mesmo com toda essa depressão, cheguei à conclusão que ainda havia algo de útil que eu poderia fazer: escrever o pouco que eu sabia.
E eis que cá estou. Neste exato momento que escrevo estas palavras, são 18h:51min do dia 21 de dezembro de 2012. Estou incomunicável com o mundo e não sei tudo o que se passa de minha porta trancada e barrada com o sofá pra fora. Sei que seria idiotice tentar evitar. Quem sabe se fosse mais forte ou tivesse uma arma... De qualquer forma, a reflexão já se foi, não voltarei a pensar nisso novamente. E finalizo crendo e esperançoso de que nem toda a raça humana tenha sido extinta, e alguém consiga ler esse relato, que ficará aberto e salvo na Área de Trabalho com o nome "FIM", após eu colocar o notebook no modo suspenso, com a etiqueta "LIGUE" sobre ele, junto com a versão impressa.

E caso haja alguém lendo tudo isso, peço desculpas por não ter detalhes, mas se você está vivo, seja na minha geração ou uma distante que, de alguma forma, sobreviveu e se multiplicou, consegue imaginar o quão difícil foi esse momento, e posso dizer: Parabéns, você é um vencedor. Você está vivo. Apenas faça sua vida valer a pena. Você não sabe o que pode acontecer no dia seguinte, mesmo que tenha ouvido previsões.


19 de novembro de 2012

É uma vez...


A história a seguir não é um conto de fadas, e sequer tem um final feliz. Afinal de contas, ela não tem final.
Ela se inicia de maneira bem peculiar, e diz respeito a um Pequeno Camponês de um feudo que não tinha nenhuma pretensão de se apaixonar tão cedo, após uma pequena decepção amorosa...

Seu Melhor Amigo de trabalho era bem parecido com ele: ambos não tinham muita sorte no amor (e nem em jogos). Mas esse seu Amigo conseguiu a sorte grande: encontrou outra Camponesa Branca-que-nem-Neve que se apaixonou por ele.
O amor deles não era nada platônico, e tinha lá seus altos e baixos, mas caminhava. E o Pequeno Camponês, sendo melhor amigo dele, sempre tentava ajudá-lo conversando com a Camponesa Branca-que-nem-Neve dando dicas, conselhos e ajudas. No meio dessas conversas, o Camponês ficou bastante íntimo da Camponesa, já que ela confessava que gostava de seu Amigo e queria também ajuda para ficarem juntos. Em uma competição criada pelo Rei do feudo para ver quem eram os melhores atletas do feudo, o Camponês fez uma participação só para fazer parte da competição junto com seu Amigo, em outra modalidade. Já a Camponesa, mesmo sendo mais nova, jogou em várias competições (e provavelmente foi melhor que os dois camponeses juntos). Ao final do dia de competições, seu melhor amigo fora se recolher para sua cabana, sem, claro, deixar de se despedir calorosamente da Camponesa em um lugar mais isolado. Ela, no entanto, ficou para mais uma competição que haveria em sua modalidade em horário mais tardio, e o Pequeno Camponês ficou para acompanhá-la e jogar conversa fora.

Conversa foi, conversa voltou, e a camponesa sentiu fome, e pediu a companhia do Pequeno Camponês para que fossem à barraca de comida buscar uma tigela de miolos cozidos que lá estava sendo servida. E nessa caminhada, o Pequeno Camponês percebeu que, dentro dele, crescia um sentimento pela Camponesa Branca-que-nem-Neve que ele não esperava, e sentia até medo de admitir a existência do mesmo, porque a afirmação de sua existência causaria um grande conflito com seu melhor amigo: dentro do Pequeno Camponês crescia um sentimento de paixão pela Camponesa.

Mesmo tentando constantemente reprimir esse sentimento, e ajudando o Melhor Amigo e a Camponesa a ficar juntos, o relacionamento dos dois não foi duradouro, finalizando com a separação pacifica dos dois; O amor que um sentia pelo outro era verdadeiro, mas não forte. Pelo menos não forte o suficiente comparado ao que aflorava dentro do Pequeno Camponês.
Respeitando o tempo para que a Camponesa Branca-que-nem-Neve se recuperasse de seu amor passageiro (não de verão), o Pequeno Camponês começou a, indiretamente, dar sinais de que sentia algo por ela. O que ele desconhecia é que a Camponesa já tinha outro Pretendente á vista que desejava sua mão em namoro, descendente de outro feudo e com uma aparência um tanto quanto... Exótica, digamos.
Contudo, o Pequeno Camponês foi mais rápido e corajoso que o Pretendente Exótico, e pediu a mão da Camponesa para que fosse somente sua, e, paciente do jeito que era, afirmou que esperaria o tempo que fosse necessário para que ela desse uma resposta.
E esperou...
Esperou...
Esperou...

Passados um mês de indecisão e um pouco de cobrança pela resposta da Camponesa, finalmente ela deu uma resposta para o Pequeno Camponês: SIM! Ambos concordaram que era melhor manter em segredo temporariamente até arranjarem uma forma menos indelicada de contar para o Melhor Amigo.
O Pequeno Camponês ficou claramente alegre e saltitante, e, paradoxalmente, um pouco amedrontado, pois ela seria seu primeiro amor de fato, e, consequentemente, a pessoa com quem faria tudo pela primeira vez falando de relacionamentos: o primeiro beijo, o primeiro presente, a primeira sogra... Apesar de todos seus temores, e de toda a insegurança e ciúmes da Camponesa, ambos seguiram firmemente sem problemas com força o suficiente para terminar esse relacionamento.
Até o momento que o Melhor Amigo descobriu através de outras pessoas o "namoro" dos dois.
Ele ficou muito bravo, completamente histérico e com raiva do Pequeno Camponês. Sequer queria olhar em seus olhos e ouvir qualquer justificativa ou pedido de desculpas por não ter contado. O Amigo ficou bravo, não por conta de o Camponês ficar com sua momentânea e rápida ex-paixão, mas sim por acreditar que ele já estava de olho e com segundas intenções sobre a Camponesa quando estavam juntos. Tal ato seria visto com maus olhos por todos do feudo, e o Camponês poderia até ser morto pela Igreja.
Contudo, ele conseguiu se explicar para o Melhor Amigo, e mesmo de cara amarrada, ele aceitou suas desculpas e após algum tempo a amizade voltou a ser (se não mais forte) tão intensa quanto antes.

E nisso, muitas histórias se passaram entre o Pequeno Camponês e a Camponesa Branca-que-nem-Neve, tristes, e felizes. Histórias que serviriam para outros contos, e que não cabem serem citados no momento. O que importa é que não há relato de algo que tenha abalado definitivamente até hoje o amor que se tornou cada vez mais forte e contínuo, pelo menos por parte do Pequeno Camponês, que existiu entre esse casal com uma trajetória bem peculiar.

16 de novembro de 2012

Portas do futuro

Tensão. Nervosismo. Cobranças...
O tempo passa cada vez mais rápido nesse universo paralelo no qual me encontro, e clamo para que seu fim tarde a chegar.
Ao mesmo tempo, paralelamente, conto os segundos, por vezes, infindáveis, para que acabe logo de uma vez e inicie-se um novo rumo, por uma nova estrada, ainda desconhecida e não trilhada.

Uma nova estrada...
Caminho obscuro e sem possibilidade de adivinhar quaisquer rotas a serem tomadas.
Ainda assim, tenho uma certeza infundada em nenhuma base ou fato de que tudo valerá a pena e ainda sentir-me-ei nostálgico ao relembrar desses momentos. Todos. Das angústias às felicidades, das derrotas às conquistas. 
Isso se resume um ano presente na vida acadêmica de qualquer estudante no final desse ciclo, e o início de um novo.
Para a introdução nesse novo caminho há um enorme obstáculo a ser superado, tão temido e muito superestimado: o teste que traçará o rumo de uma vida e abrirá as portas para um novo ensino, nivelado de forma superior. A partir de então, será formado um profissional, seja lá de que área: humanas, exatas ou biológicas.

Será feito um bom profissional? Isso depende de cada um, do uso que for feito de cada aprendizado e lição, e de que rotas serão tomadas futuramente. Mas a decisão, nessa altura do campeonato, já foi feita, e está estagnada e fixa, sem qualquer chance de mutação.
Ou será que não?
Há ainda tempo. Se não for hoje, será amanhã, ou no mês que vem ou no outro ano. Ou depois. Ou depois... Não importa quando, o que tiver de acontecer, acontecerá, basta perseverança e insistência na busca pelo caminho escolhido, seja ela liso como um lago congelado, ou apedrejado como as estradas brasileiras.

4 de novembro de 2012

É... Arte!

Eu sou um artista. Eu sou a arte. Eu sou o artista e a arte ao mesmo tempo. 
Existem muitos críticos de boteco que só enxergam superficialmente, mas a arte por trás da tela diz mais sobre mim do que a imagem externa.

Porém, há aqueles que apreciam, ou pelo menos tentam entender, e até o dia da minha última pincelada, serei um artista incansável que tenta passar uma mensagem para seus observadores alheios que enxergam de olhos fechados.

25 de outubro de 2012

Amigo pra toda hora

Eu considero o violão como o melhor instrumento já criado pelo Homo Sapiens.
Ele sempre está lá, singelo e discreto. E sempre em um canto da sala. Passa despercebido por quase todos os passantes, mas é motivo de vários sentimentos: alegria, união, tristeza, nostalgia, memórias e até raiva. Silencioso, mas poderoso a ponto de fazer uma algazarra. Pequeno, mas comparado a grandes musas por causa de sua forma física. Bom, sempre dizem que os melhores perfumes estão nos menores frascos não?
Recluso em sua parede, é apenas observado por alguns que estão sentados, olhando a paisagem e fazendo uma parcela de "fotossíntese humana". Mas até para isso é útil, para ser admirado como um instrumento belo de ser tocado e escutado.
Quando lembrado de sua existência, faz seus gritos soarem como belas canções quando bem tocadas, capaz de reunir multidões de milhares e milhões de pessoas, ou um grupo pequeno de amigos envolta de uma churrasqueira apenas para ouvi-lo ser manuseado delicada mas precisamente por seu violonista, seja ele profissional ou amador, iniciante ou veterano.
Seu poder sonoro é esplêndido, e sua função social de reunir amigos, famílias e até inimigos apenas para ouvi-lo é magnífico. É até mesmo copiado por tantos outros, como o violino, o violoncelo, o cavaquinho, a viola...  Por essas e outras que ele é o melhor de todos os instrumentos. É incomparável, é invejado por outros instrumentos e desejado por aqueles que não sabem tocá-lo.

16 de outubro de 2012

Livre (?) Arbítrio - Parte 1

Acordo e tento abrir os olhos, mas uma forte dor de cabeça me atinge, se prolongando por todo meu corpo. Sinto-me fraco, como se não conseguisse levantar um dedo sequer. Tento fazê-lo, mas não sinto minha mão. Não sinto meu quadril, pernas e pés também. Uma pontada de desespero perpassa meu corpo, e, apesar da dor, resisto e tento abrir os olhos, com sucesso. Ao fazê-lo, uma forte luz me cega por alguns segundos, e após acostumar minha visão àquela luz, me dou conta de onde estou.
Barulhos de monitores cardíacos estouram em meus ouvidos como se fosse um show de rock, a ponto de não conseguir não dar atenção a eles. Noto-os, com fios ligados ao meu peito, e outros fios pelo meu rosto e braço.
Estou em um leito de hospital.

Como vim parar aqui? Por que estou aqui? Quando isso aconteceu? Não consigo me lembrar de nada... O desespero volta a tomar conta de mim, até que minha esposa aparece em meu restrito campo de visão. Ela me olha com profunda tristeza, quase como se estivesse morto... Estaria eu morto? Não... O monitor cardíaco não parou, e eu não fui para meu julgamento. Mas então por que não consigo falar, ou me mexer ou dar sinal de que estou vivo?
Uma pontada de dor de cabeça volta a me atingir, dessa vez, nas têmporas, e me faz desmaiar de dor.

Acordo novamente, sem saber quanto tempo depois. Alguns minutos, algumas horas talvez. Talvez alguns dias até. Dessa vez, não tento abrir os olhos imediatamente. Mas tento novamente mexer qualquer músculo de meu corpo. Nada. Apenas meu pescoço se mexe com certa dificuldade. De olhos fechados, tento me recordar como vim parar e aqui, como tudo ocorreu. Alguns flashes iluminam minha memória, mas nada além disso. Lembro-me de meus amigos, uma pizzaria, eu no carro voltando para casa e um... Caminhão? Não sei ao certo, mas lembro-me de um veículo grande vindo em minha direção...
Não é preciso ser um gênio para saber juntar 2 com 2 e saber que dará 4. Então era isso, eu sofri um acidente de carro...
Tento mexer minhas pálpebras com muita calma, e noto que a luz já não está mais acessa. Com sofreguidão, abro por completo meus olhos, e consigo ver uma parte do teto, iluminado pelas luzes dos monitores. Movo meu pescoço para a direita, e vejo enrolada em um cobertor minha esposa, cochilando. Era noite. Ou teria ela virado a noite preocupada comigo? Geovana sempre foi muito cuidadosa... Tento chamá-la, mas sinto minha garganta "cheia", e uma tosse seca misturada com um gemido de dor causada por outra pontada na cabeça sai de meus lábios.
Aparentemente, foi o bastante para acordá-la.
-QUERIDO! Não tente falar. Fizeram uma traqueostomia para te ajudar a respirar _ disse ela em um tom de sussurro, mas preocupada.
Com lágrimas nos olhos, continuou:
-Que bom que você acordou, os médicos disseram que você poderia não acordar nunca mais... Eu não acreditei, nem por minuto. Eu vou chamar o doutor para vê-lo!
E antes que eu pudesse fazer algo, ela já havia saído do quarto procurando pela enfermeira mais próxima, porém, não rápido o suficiente para me rever da mesma forma como quando saiu: acordado. Uma forte enxaqueca me dominou e a vertigem me fez desmaiar novamente.

- ...ão estou mentindo doutor Celso, ele abriu os olhos e tentou falar comigo! Eu não estava sonhando!!!
-Senhora Geovana, você está cansada e está há muito tempo aqui no CTI. Você deveria ir para casa descansar, pois já lhe dissemos: apesar de todas as cirurgias e da melhora na função respiratória, as chances de seu marido recobrar a consciência são quase nulas. Afirmo também que talvez não tenha chances nem de haver atividade cerebral. Amanhã pela manhã requisitarei um eletroencefalograma para confirmar a morte cerebral_ Foi a resposta de meu médico, que até então não conhecia.
Sou um vegetal, um nada. Um quase morto para os médicos...
Após a saída do médico do quarto, reabro minhas pálpebras e vejo Geovana sentada no sofá-cama com os cotovelos apoiados no colo e cabeça em suas mãos, chorando. Noto que estou sem o aparelho de traqueostomia, e tento chamá-la. Um leve ruído sai das minhas cordas vocais. Imediatamente, ela levanta seu rosto em minha direção e abre um sorriso, o mesmo que me encantou quando a conheci.
-Amor, eu sabia que não estava ficando doida. Irei chamar o médi...
-N-Não...
Esse mínimo esforço me fez tossir, entretanto resisti à dor e continuei a falar.
-Mor...rer. Eu mor...
-Não querido, você não vai morrer. Eu não deixarei você morrer!
-Que...ro.
Ao ouvir essas palavras, uma expressão de espanto tomou conta de seu rosto, mas era a mais pura verdade. Os médicos me davam como morto, e, até onde pude notar, era um vegetal, inútil. Minha vida estava acabada mesmo sem um fim definitivo. Não tinha mais vontade de estar vivo, e a distância de passar dessa para uma melhor, mesmo com a incerteza de que será melhor, me agonia.
Geovanna se levanta do sofá e volta a procurar o médico. Desta vez, o mesmo consegue me ver acordado e de olhos abertos.
-Isso é... um milagre! O senhor poderá recomeçar sua vida depois de algumas seções de fisioterapia e reabilitação, só precisará de muita perseverança e persis...
-NÃO!

Novamente, a dor de cabeça tomou conta e a dose de morfina que me era aplicado não era o suficiente, a ponto de me fazer desmaiar e cair em um sono profundo...

Livre (?) Arbítrio - Parte 2


... Não me lembro de ter sonhado. Apenas dormia. Um sono pesado e escuro. Somente dormindo.
Também não sei quanto tempo se passou, mas tive a quase certeza de que foi uma grande quantidade. Mas poderia estar errado. Já havia perdido por completo a noção de tempo, o dia poderia ser noite, ou vice versa, uma segunda poderia ser uma sexta, e assim consecutivamente.
Isso não importava. Só me importava o meu desejo de acabar com toda essa aflição de não sentir nada abaixo do pescoço, e finalizar, de uma vez por todas, a minha dor de cabeça que me deixava inconsciente por tempo indeterminado.
Ao abrir os olhos novamente, me deparo com um ambiente completamente diferente: uma máquina de RM ou Tomografia estava sobre minha cabeça. Como eu vim parar aqui? Mais uma de minhas perguntas sem resposta...
-Não se mexa, o senhor está em uma máquina de Ressonância Magnética. O doutor Celso requisitou esse exame, por causa de sua dor de cabeça que causou o desmaio e a parada cardíaca _ Foi tudo o que eu prestei atenção da voz entediada que vinha do lado de fora do aparelho.
Eu havia tido uma parada cardíaca! Sequer cheguei aos 40 anos, e sofri um acidente que paralisou noventa por cento do meu corpo, e ainda tive uma parada cardíaca. Isso é vida?

Alguns minutos mais tarde, estava de volta ao meu quarto. O enfermeiro me trouxe para a CTI na maca direto da sala de RM, e encontrei Geovana sentada no sofá lendo uma das revistas que havia pegado na sala de espera. Posso jurar até que já tinha visto essa mesma revista na mão dela anteriormente. Quanto tempo será que já estou no hospital? Minha memória se torna cada vez mais embaralhada em relação a fatos de curto e longo prazo.
Meia hora depois, doutor Celso entra no quarto com uma expressão séria e chama Geovana para conversar. Da conversa nada pude ouvir, entretanto as reações de minha esposa já denunciavam o que estaria por vir, e não era nenhuma notícia boa.
Secadas suas lágrimas, ela assinou um formulário e se sentou na cama comigo. Suas caricias no meu rosto ao mesmo tempo me acalmaram e me deixaram assustado.
-O qu...e foi am...or?_Com muita dificuldade e a boca seca consegui proferir essas palavras.
-Nós sempre fomos sinceros um com o outro, e não será agora que passarei a mentir para você. O médico me informou que foi encontrado um coágulo que se formou no seu cérebro, devido ao acidente, e por causa dele você não consegue mexer seu corpo, têm essas fortes dores de cabeça quando submetido à stress e a perda de consciência.
Geovana me deu o veredito médico, mas eu sabia que havia mais, algo que ela estava escondendo. Suas lágrimas escorrendo pelo rosto ao olhar para mim falavam tudo que sua boca se recusava a proferir.
-E que mais?
-Eles terão de operá-lo hoje, e... A cirurgia é muito.... Arriscada. E você..... Pode não....... Voltar vivo dela e se........... Se voltar, poderá fic................... Ficar assim PRA SEMPRE_ Esse foi o limite em que ela pode suportar até cair em prantos sobre mim.

Nunca fui muito religioso, mas como todas minhas esperanças haviam se esgotado, resolvi recorrer a Deus, se é que existia um.
Com Geovana adormecida na cama ao meu lado, depois de ter demorado a se acalmar, fiquei reflexivo. Se Deus existe, por que estaria fazendo isso comigo? Seria uma prova de fé? Castigo por meus pecados? Não sei... Por via das dúvidas resolvi fazer uma reza, para que eu terminasse logo esse sofrimento e poupasse minha esposa de ter que passar por tudo isso comigo. Ela não merece isso.
Como já relatado, Geovana sempre foi muito atenciosa, e com um pequeno murmurinho, ela acordou e ouviu o que estava falando.
-Você não pode desistir, nem tudo está perdido. E não importa o que aconteça, eu te amo pelo que você é, pois o que me cativou foi o seu jeito e sua personalidade. O físico é só... Físico.
Essas palavras dela me fizeram repensar, entretanto a dor era maior do que a vontade de superar e viver. A dor de cabeça voltou a explodir em minha cabeça, e tudo o que sei é que fui levado às pressas para o centro cirúrgico adiantando a cirurgia já marcada. Minha vida estava por um fio, e estava cada vez mais próximo de meu objetivo final: a morte. Bastava que os médicos errassem, que Geovana me ajudasse ou que eu piorasse de vez, para acabar com tudo.

Nota Mental #1

Passando para deixar um recado: Como eu já havia deixado avisado, o blog não será constante, porém eu já estou trabalhando em um outro texto e antes de lançar ele, vou começar a publicar os outros contos que fiz no Reflect About, começando pelas partes 1 e 2 do texto Livre Arbítrio. E semana que vem eu já publico uma crônica que eu me arrisquei em fazer como um desafio. No post eu falo mais sobre ele.

Pra descontrair, fiquem com uma imagem do Skoob 
Quem nunca?

8 de outubro de 2012

Livre Arbítrio - Parte 3

Antes de qualquer coisa... Bem vindos! Queria agradecer àqueles que me apoiaram na criação deste outro blog.
Para quem não me conhece, sou o dono do Reflect About, blog que eu já possuo há mais de 2 anos contando da data de hoje e nos últimos tempos resolvi me arriscar por lá experimentando um outro gênero textual, os contos e crônicas, com a proposta de passar alguma reflexão mas por meio de uma história. Com isso, percebi que deu MUITO certo e o público gostou bastante, e por isso resolvi fazer esse blog com SOMENTE esse gênero. A única coisa que eu só queria deixar claro é que não manterei atualizado semanalmente ou mesmo com qualquer tipo de constância este blog com textos, por conta de serem um pouco mais trabalhosos de serem feitos e de conseguir inspiração. Entretanto, curtam a página do Papiro Moderno no Facebook e/ou sigam o perfil no Twitter para receber as atualizações de novos textos na barra ao lado direito.
E o último conto que lá eu escrevi foi o "Livre (?) Arbítrio", que eu dividi em duas partes - Parte 1; Parte 2 - e tinha a intenção de, de fato, deixá-lo com um um final aberto. Entretanto, as pessoas que leram e acompanharam, pediram que eu desse um final para ele, e como eu já estava pensando nesse projeto de um novo blog, resolvi fazer a terceira e última parte aqui.
Eu espero que quem já acompanha o Reflect continue acompanhando lá e apoiando aqui também e, é claro, que gostem e compartilhem meus textos


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Desci para a sala de pré-cirúrgico, já um pouco grogue com uma anestesia que me injetaram no CTI, mas ainda consciente.
Infelizmente, meu desejo de piorar ou de ter mais uma de minhas insuportáveis dores de cabeça não se realizaram, e, por conseguinte, não trouxeram meu fim definitivo. Sabia que Geovana não me ajudaria nisso. Ela entendia meu lado, sempre foi compreensiva, entretanto sua capacidade de superação era incomparavelmente maior do que a minha, e sua ambição por me manter vivo e ao seu lado era determinada e imutável. Só me restou o cirurgião.
A anestesia me causa lapsos momentâneos de memória, porém me lembro claramente de algumas coisas: Geovana sentada ao meu lado, acreditando que estava já dormindo em sono profundo, segurando com força minha mão e fazendo uma prece para que eu fosse salvo e Deus (novamente, se é que existia um naquele momento olhando pra mim) me ajudasse na recuperação e aumentasse minha vontade de viver.
Mas não seria essa já a "vontade divina"? Não estariam os médicos retardando o plano de Deus para o meu último suspiro como ser humano na Terra? Tentando evitar o inevitável? Perguntas difíceis de serem respondidas por um ser humano, e ainda mais um ser humano incapacitado.
Esse foi apenas um momento rápido que meus lapsos me permitiram recordar.

O fato principal que mesmo cortado eu consigo lembrar é de já estar dentro da sala cirúrgica. O doutor estava conversando com o meu eu semiconsciente informando os procedimentos cirúrgicos que seriam feitos e as possíveis consequências. Mais da metade do que foi dito eu sequer ouvi ou prestei atenção. Minha ideia fixa era meu desejo de morte. E sozinho com ele naquela sala foi meu único momento oportuno que pude recorrer para tentar realizar o que eu mais queria.
-Do...Doutor. Morr...rrer. Me mate. Tenho di....Dinheiro. Peça para G...Geovana._ Foi tudo o que conseguir dizer antes que minha garganta se irritasse e causasse uma crise de tosse horrível por conta de mal estar sentindo meu corpo.
-Por que raios eu faria isso? Minha função como médico é salvar vidas, mediante a um juramento feito na minha formatura. Eu JAMAIS poderia fazer tal ato._ Sendo a reação inesperada do doutor.
-Cem mil gu....guardados. Seu. Acab.....e com minha dor!

Após ouvir a quantia que estava guardada em um cofre para comprar nossa casa própria e sair do aluguel, o doutor Celso arregalou os olhos e parou de manusear os instrumentos que estava preparando.
-Você disse... CEM MIL?!
Afirmei com a cabeça que sim para evitar outra crise, e o doutor parou para refletir sobre o meu pedido. Se eu pudesse me mexer, estaria cruzando todos meus dedos para ele aceitar a proposta.
-Entenda, isso poderia acabar com a minha licença e eles caçariam meu CRM se isso fosse a público. Eu sei que sua vida está horrível, e o coágulo que se formou no seu cérebro paralisou quase que por completo seu corpo. Eu entrei nesta sala cirúrgica com a pretensão de retirar esse coágulo e tentar trazer sua vida de volta, mesmo com a incerteza de tal fato. O senhor deseja piamente a morte, e um corte proposital no seu córtex poderia causar sua morte. Sua vida está em minhas mãos e eu posso notar explicitamente seu sofrimento, e com isso eu acho realmente que o melhor a ser feito é...
Nesse exato momento, o anestesista já esterilizado entrou no centro cirúrgico e aplicou a anestesia que me fez entrar em sono profundo, sem sonhos ou lembranças.
Após ter ficado inconsciente, não houve mais lembrança para relatar. Não é que não me lembro, apenas não havia mais o que relatar. Ficou tudo preto, definitivo e aparentemente infindável.
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Pause
Que tal parar um pouco, ver suas redes sociais e tomar um café? x^D
Brincadeira, fiz essa pausa só para causar um clima de suspense, e para reforçar que, para aqueles que não entenderam a história a partir daqui, acesse as duas primeiras parte -  Parte 1; Parte 2 - no Reflect About que foi onde tudo começou. Bora continuar?
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-Olá, você está me ouvindo? Abra os olhos, veja onde você está. Já acabou, passou tudo. Vamos lá abra os olhos e me mostre que você acordou para vir ao meu encontro.

Lentamente, estava recobrando minha consciência. Tudo estava leve, calmo e tranquilo. Não havia mais monitores, médicos, dores e principalmente, eu podia sentir meu corpo. 
ESPERA, EU PODIA SENTIR MEU CORPO! 
Fui abrindo meus olhos devagar e vi uma luz branca se aproximando de mim, e a cada milímetro que eu movia minhas pálpebras, a luz ficava mais próxima. Quando finalmente abri meus olhos eu pude vê-lo, eu não acreditava no que estava vendo...

Doutor Celso estava ao meu lado me acordando da anestesia. Eu ainda estava no hospital e vivo! Com até certo carinho, ele me balançava para acordar e apertava a minha mão para eu tentar demonstrar alguma reação. 
-Eu senti. _Por hora, foi o que eu consegui dizer, mas por conta de a anestesia ter me dopado.
-O senhor sentiu meu aperto de mão?! Isso é incrível! A cirurgia foi um sucesso!!! _ Essa última frase ele aumentou a entonação, e um leve coro de aplausos e comemoração pode ser audível de longe.
-Você não faz ideia de quanto eu relutei para aceitar sua proposta, mas antes de começar a cirurgia, eu voltei para me reesterilizar. Nada demais, apenas uma precaução minha. E na sala estava a sua mulher, ela veio me procurar antes que começasse a cirurgia para falar comigo. Ela me falou sobre sua aflição e sua ânsia pela morte, mas também me contou o que sente por ti, e que tem um sonho desde pequena: se casa...
-Casar com o amor de sua vida. _ Completei a frase.
-Exato, e ela me disse que VOCÊ é essa pessoa. Por isso ela me implorou para que eu fizesse tudo que estivesse cabível em minhas mãos para salvar a sua vida, autorizando qualquer procedimento que fosse necessário ser tomado sem a necessidade da prévia consulta dela, por ser a responsável por você enquanto estava inapto a responder por si próprio.
Bom, descanse por enquanto, e logo você já estará no quarto iniciando sua recuperação e a fisioterapia _ Finalmente completou o doutor Celso.

Fiquei reflexivo após a saída dele. Geovana me ama mais do que qualquer outro amor que ela já tinha tido, e essa foi a maior prova de amor que eu tive em minha vida. Nunca antes alguém havia feito algo tão maravilhoso por mim, e eu sei que nunca mais conseguiria encontrar outro alguém igual.
Lentamente, consegui mover meu dedo, mesmo que alguma dificuldade, para apertar o botão que chamava a enfermaria. Após alguns segundos, uma enfermeira com um ar levemente preocupado entrou no CTI:
-Está tudo bem? O senhor precisa de algo?
-Não, só queria confirmar que estava tudo certo. Você poderia me cobrir os pés? Estou sentindo um ventinho no meu dedo. _Disse, confirmando que os movimentos do meu corpo estavam começando a voltar e minha vida estava tomando um novo rumo, mesmo passando a beira de seu fim.

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Logo penso em um próximo texto, mas só repetindo: o blog não será constante e não tem uma data prévia para o próximo texto.