9 de fevereiro de 2013

Como vai o seu coração?

Como sociólogo, psicanalista, e apreciador das reações humanas às mais diversas situações, em um de meus passeios pela Avenida Paulista que costumo fazer em horário de almoço, reparei em uma garota desolada em uma mesa da Starbucks na Rua Augusta, sozinha, e chorando silenciosamente, com as lágrimas escorrendo de seus olhos até caírem em sua calça.
Pedi licença, perguntando se poderia me sentar no lugar vago, e recebi um seco "tanto faz" (seco até de mais para alguém tão cheia de lágrimas). Falei-lhe que era psicanalista e adorava ouvir as pessoas, e estava disposto a ouvi-la enquanto esperava meu cappuccino ficar pronto (algo que deveria levar algum tempo, considerando a demorada fila que enfrentei ao entrar no estabelecimento). Após certo receio da jovem, a sua insegurança falou mais alto, e acabou desabafando uma torrente de temores em relação ao seu namorado. Coisas que poderiam soar como besteiras para muitas pessoas alheias, porém notei que aquilo afligia seu coração (usando uma expressão corriqueira). Aconselhei-a a buscar confiança na pessoa que amava, se fosse digna para tal. Se a mesma fosse, ela conseguiria perceber que seus temores eram infundados quanto ao que o garoto sentia por ela.
Alguns minutos mais tarde, notando que deveria começar a caminhada de volta para o consultório, me despedi da moça, que já exibia um simpático e tímido sorriso quando despediu-se agradecendo-me por ouvi-la.

Com esse pequeno ato ocorrido nessa cafeteria, pude perceber que muitos corações se viam... Digamos... incompletos. Alguns, dilacerados. Outros doentes.
Mas dificilmente satisfeitos.
Resolvi então tirar o dia para uma pesquisa de campo, com uma prancheta cheia de folhas de um bloco de notas e uma caneta em mãos (no qual descrevo essa experiência agora). Intitulei o cabeçalho de "Como vai o seu coração?", com o intuito de fazer tal questionamento para aqueles que estivessem dispostos a responder a pergunta.
Apenas andando alguns metros, reparei em um grupo de jovens sobre o Masp, aparentemente em um ponto de encontro. Isolado do grupo, havia um adolescente, de uns 15 ou 16 anos. Tive a certeza de que ele era pertencente ao grupo, pois todos que chegavam o cumprimentavam, contudo, por mera formalidade. As expressões dos que chegavam e viam que o fulano estava presente demonstrava total descontentamento.
Como um dos trocentos pesquisadores presentes na Paulista, aproximei do garoto, pedindo para responder uma única e rápida pergunta.
Aparentemente entediado, aceitou, sem ânimo ou disposição alguma para tirar a mão que tapava parte de sua boca, com os cotovelos que estavam apoiados em seu joelho.

-Como vai o seu coração?

Pego de supetão, a resposta obtida foi basicamente o esperado para um adolescente nos tempos de hoje:
-Oxi, eu lá tenho cara de coroa tio? Meu coração vai muito bem, eu sou jovem ainda.

Pretendendo obter uma resposta mais objetivada por outro âmbito, refiz minha pergunta:
-Você se engana meu caro. Um problema cardíaco pode muito bem acontecer com qualquer pessoa, mesmo tendo maior incidência em pessoas de idade mais avançada. De qualquer forma, minha pergunta não foi essa. Minha pergunta foi: "Como vai o seu coração?".

Uma expressão de dúvida (maior do que a primeira vez) ficou exposta na sua face por alguns segundos até que ele pensasse em uma réplica:
-Velho, eu não to entendendo onde você quer chegar...
-Eu notei que você está com aquele grupo, pois alguns te cumprimentam, mas você não ESTÁ de fato com o grupo...
-Até um coroa percebe isso...

Gabriel, como ele resolveu se apresentar, ficou um pouco tenso, enquanto mexia sem sentido em seu cabelo rebelde até conseguir expressar tudo o que estava guardado dentro de si:
-Tá vendo aquele "muleque" de camiseta da Hollister? Ele é meu irmão mais velho. Alguns meses atrás meus pais sofreram um acidente de carro, e como ele é maior de idade, a minha guarda passou para ele até que eu atinja a maioridade. Desde então, minha vida se tornou um inferno.
Todo o carinho e apoio que eu recebia de minha família simplesmente se esvaiu. Depois da morte dos meus pais, Pedro se transformou em outra pessoa. Alguém frio. Seco.
Não é mais o meu irmão...
-Você já tentou conversar com ele?
-Já, mas ele sempre me ignora. E eu sou obrigado a atender a todas as ordens dele. Tanto que várias vezes eu sou arrastado pros "rolês" dele, com os amigos dele, e não posso nem sair com os meus amigos, e nem ficar em casa sozinho. Ele me trata como uma criança!
-E não consegue pensar em um motivo para isso?
Notando o silêncio, e a ausência de resposta, resolvi dar continuidade ao meu pensamento:
-Ambos sofreram uma perda irreparável, e seu irmão já possuía maior tempo de convívio com seus pais, portanto o afeto por eles era provavelmente ainda maior.
Com o buraco deixado por eles, talvez ele tenha reprimido todos os sentimentos que estão se passando dentro do consciente dele e tenha se tornado mais rígido para adotar uma atitude paterna para poder tomar conta de você como um pai faria.
Levantei-me e agradeci por ele ter respondido à minha pesquisa. Surpreso, ele perguntou por que já estava indo. Dei uma resposta curta:
-Meu trabalho acabou. Refaça para ele a mesma pergunta que eu lhe fiz.

Segui caminhando pela avenida, em direção ao Metrô Brigadeiro. Chegando próximo ao Shopping Paulista, reparei em um médico, fumando do lado de fora do Hospital Santa Catarina. Mais uma fonte de pesquisa.

-Como vai o seu coração?

Incrédulo por um meliante qualquer na rua ter-lhe feito essa pergunta, o doutor sequer deu bola para responder a pergunta. Apagou o cigarro e voltava para o hospital.
Insatisfeito, chamei-o novamente, e pedi para que respondesse a pergunta. Contudo, o que recebi não foi bem o que esperava:

-Você sabe com quem está falando? Eu sou um dos maiores cirurgiões cardíacos do país, há tempo suficiente profissional da Medicina para saber o que você tem ou deixa de ter no coração, e já tratei de centenas, não, milhares de casos especificamente relacionados a problemas cardíacos. Você acha que eu não sei como vai o meu coração? Eu tenho uma saúde de touro. Todos os dias eu pratico atividade física e mantenho uma dieta rica em diversas fibras, proteínas e vitaminas.
Então, faça-me a gentileza de ir fazer essa "pesquisa" com alguém mais desocupado. Boa tarde!

Achei melhor não insistir. A única coisa que iria extrair dele é uma "resposta física".
Cansado desse expediente diferente do usual que resolvi adotar hoje, fui indo em direção ao Metrô Paraíso, para não ter que fazer baldeação nem nada. Sem contar que não devia estar nem há 1 km de distância, e uma caminhada de fim de tarde é sempre boa para aliviar a mente de todo o estresse.

Morando em São Paulo, eu já estava habituado a sempre pegar o metrô lotado por volta das 18h, ainda mais que ele fazia integração com a linha Azul. Entretanto, a caminhada que havia feito e as tentativas de entrevistar as pessoas na Paulista deixaram-me exausto, somado ao calor insuportável que estava dentro do vagão. Notei que não estava tão bem lá dentro e resolvi pular fora na próxima estação. Desci na estação Alto do Ipiranga que normalmente é vazia. Já em horário de pico ela é... Vazia. Ainda não vi muito sentido na localização daquela estação.
De qualquer forma, sentei pra respirar um ar, ao lado de uma senhora. Ela devia ter por volta de 40 anos, com algumas rugas. Apenas, por educação, dei boa noite e fechei meus olhos alguns segundos para descansar, até o próximo trem chegar. Quando abri novamente, a senhora estava chorando copiosamente.
Um silêncio monumental e constrangedor tomou conta da situação. Até ela resolver falar:

-Minha vida está um fiasco! Meu marido não me ama mais, meu filho é viciado em crack e eu não tenho uma pessoa sequer para poder desabafar ou para pedir algum auxílio. Eu já não sei mais o que fazer! Todas as janelas, portas e frestas estão se fechando pra mim. Cada dia que passa uma coisa pior passa. Já me falaram que isso é apenas uma fase ruim, mas todos estavam errados. Isso não é fase. Isso é a vida! Minha vida sempre foi horrível, desde que eu era criança.

Meu trem estava se aproximando, e a senhora percebeu que eu queria partir. Porém, antes de embarcar novamente, fiz uma pergunta que tentei buscar a tarde toda:
-Você já cuidou do seu coração? Assim que seu coração estiver curado de todas as mágoas, rancores e tristezas, e cheio de perdão, sem arrependimento, e a chance de começar tudo de novo, você poderá viver bem. Pode ser que sua vida não melhore, contudo, já é um primeiro passo que você pode dar.
Entreguei à ela um cartão do meu consultório que sempre tenho no bolso, e entrei em direção à Vila Prudente.

Agora já em casa, termino esse experimento com uma conclusão:
Todos os seres humanos (obviamente) tem um coração. Alguns não são "originais" de fábrica, outros já estão bem usados, e muitos ainda estão começando a funcionar. Contudo, nós temos o hábito de expressar nossos sentimentos com o coração, mesmo sendo ele um órgão que tem por função bombear o sangue pelo corpo. Talvez pelo fato de termos a relação entre amor e coração. Não sei ao certo.
Contudo, muitos corações hoje são doentes: cheios de ódio, raiva, arrependimento, mágoa e sentimentos ruins.
Nenhuma vida pode trilhar por caminhos certos todas as vezes, mas com um coração "reformado" sempre fica mais fácil.

Faça uma revisão no seu coração, e veja que muitas coisas podem mudar.